Alminhas em Bagunte

Desde sempre o Homem demonstrou uma preocupação com os mortos e prestou-lhes culto das mais variadas formas, de acordo com os tempos, os povos e as culturas. A esperança na vida para além da morte e a fé na eficácia das preces pelos mortos já estavam presentes nas primeiras comunidades cristãs, mesmo antes da existência do conceito de Purgatório, o qual surgiu na Idade Média.

A crença no Purgatório, como dogma e como um estado de purificação das almas, e o valor dos sufrágios pelas mesmas foram reafirmados no Concílio de Trento (1545-1563) e, na sequência, foram criadas as Confrarias das Almas e divulgou-se a convicção de que quantas mais forem as orações e as esmolas, mais cedo as almas dos mortos sairão do Purgatório.

A preocupação com a salvação das almas que sofrem no Purgatório para se purificarem e ascenderem ao Céu foi decisiva para o surgimento deste património que veio a ser chamado de Alminhas e que está presente em todo o território nacional, com maior preponderância no centro e, especialmente, no norte de Portugal, talvez devido a uma cristianização mais antiga e que continua mais vivida.

Alguns autores também atribuem a divulgação do culto das almas do Purgatório e a proliferação das Alminhas ao pintor régio da corte de Filipe II de Espanha (I de Portugal), Luís Alvares de Andrade, designado de Pintor Santo. Pintou e distribuiu à sua custa painéis de madeira avulsos, primeiro da Santíssima Trindade, maior mistério da fé e da vida cristã, e depois das almas do Purgatório, com a legenda PN/AM (Pai Nosso /Ave Maria).

Surgem, assim, nos finais do século XVI e princípios do século XVII as primeiras pinturas do Purgatório, ao ar livre, em sítios públicos. Muitos destes pequenos oratórios foram-se perdendo ao longo do tempo, e os que chegaram aos nossos dias, uma vez que na maior parte não está inscrita a data da sua construção, presumimos que sejam maioritariamente dos séculos XIX e XX.

 

Estes pequenos monumentos ergueram-se nas beiras das estradas, encostados às paredes ou fazendo mesmo parte delas, e nas encruzilhadas dos caminhos.

 

Em Bagunte, acreditamos que é antiga a tradição de sufragar as almas do Purgatório. Prova disso é a instituição da Confraria das Almas no ano de 1715. Existem hoje cinco Alminhas que encontramos em vários lugares da freguesia: Ponte D’Ave, Cruzamento das Três Rodas, Figueiró de Cima, Casal de Baixo e Corvos.

 

Alminhas da Ponte D’Ave

As Alminhas da Ponte D’Ave situam-se perto da Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, numa propriedade que pertencia ao Sr. Manuel Gomes e atualmente é pertença da família de Alice Rodrigues. Estas Alminhas datam de 1828, de acordo com a inscrição que encontramos na estrutura granítica inserida na parede, encimada por uma cruz. No nicho podemos observar um painel de azulejos que deve ter substituído, na segunda metade do século XX, o painel original, o qual muito provavelmente seria de madeira. Este painel de azulejos está assinado por F. Gonçalves, pintor que esteve ligado à antiga e extinta Fábrica de Cerâmica do Carvalhinho, em Vila Nova de Gaia, e que esteve no ativo, aproximadamente, entre 1954 e 1978.

No painel de azulejos está representado o Purgatório, com as alminhas de mãos erguidas suplicando aos vivos orações e esmolas, dois Anjos, um de cada lado, e a Nossa Senhora do Carmo. A Nossa Senhora do Carmo, a Virgem do Escapulário, está associada ao culto das alminhas do Purgatório pois, de acordo com as promessas da Senhora, os que morressem usando o escapulário, sinal de devoção mariana, seriam salvos do inferno e resgatados do Purgatório. Podemos verificar que nas Alminhas não vemos representadas crianças, uma vez que estas sendo criaturas puras têm entrada direta no Céu. Na parte superior do painel de azulejos pode ler-se:

 

“Vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando”.

 

Tal inscrição é muito comum nas Alminhas e remete para os sofrimentos do Purgatório, chamando a atenção dos vivos, dos que por ali passam, para as necessidades das almas que estão no Purgatório, pedindo-lhes uma oração para alívio dos seus sofrimentos e para subirem o mais rapidamente ao Céu. O nicho está protegido por um gradeamento fechado com aloquete, tem uma jarra com flores, velas e caixa de esmolas.
 

 

Alminhas do Cruzamento das Três Rodas

No cruzamento das Três Rodas encontramos na propriedade da família Costa e Silva umas Alminhas datadas de 1964, data que pode ser observada no gradeamento da pequena capelinha que as alberga. Esta pequena capelinha está inserida no muro de vedação da propriedade, é feita de tijolo burro e tem uma cobertura de telha. No cimo desta capelinha aparece a cruz. O nicho, protegido por uma grade com sinal de arrombamento, tem um painel de azulejo, de autor desconhecido, a precisar de restauro, uma vez que faltam alguns dos azulejos que o constituem. Está representado o Purgatório, Anjos e Nossa Senhora do Carmo. Tem jarra com flores, caixa de esmolas e velas. De referir que estas Alminhas, talvez devido à sua localização – uma encruzilhada muito movimentada –, são muitas vezes vandalizadas, arrombadas e roubadas e, junto delas, é frequente ver objetos associados a bruxarias. Estas são com certeza as Alminhas mais recentes da freguesia e muitas pessoas lembram-se da sua inauguração numa tarde de domingo, tendo havido procissão e sermão proferido pelo P.e Manuel Sousa Gonçalves.

Do outro lado do cruzamento temos uma outra capelinha, também datada de 1964, com as mesmas características exteriores, mas neste caso é um “monumento” em honra de Nossa Senhora D’Ajuda. Popularmente este oratório também é designado de Alminhas e foi inaugurado no mesmo dia.

 

 

Legendas imagens:

- Alminhas da Ponte d’Ave, 2021;

- Alminhas da Ponte d’Ave, pormenor do azulejo, 2021;

- Alminhas das Três Rodas, 2021;

- Alminhas das Três Rodas, interior, 2021.

 

Bibliografia e Webgrafia:

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VICENTE, Manuel Fernandes – Alminhas: Portugal foi o único país a criar estes monumentos. In Público, 02.12.10. Disponível em: https://www.snpcultura.org/vol_alminhas.html

 

Texto: Paula Viso

Imagens: Marisa Ferreira

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